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DOS DIREITOS SOCIAIS DE CARÁTER PRESTACIONAL FACE AO ARTIGO 5º PARÁGRAFO 1º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: NORMAS PROGRAMÁTICAS OU AUTO-EXECUTÁVEIS?

Fernando Gomes de Andrade
Mestre em Direito Público pela UFPE

“Se considerarmos os direitos sociais básicos direitos absolutos, como foram reputados os direitos de liberdade durante o predomínio do velho Estado de direito, têm eles aplicabilidade imediata” .

O modelo de “Constituição dirigente”, entendida como aquela que comanda a ação do Estado impondo aos seus órgãos a realização das metas programáticas nela estabelecidas , fora adotada na lex mater de 1988 trazendo em seu bojo preceitos que conduzem à efetivação dos direitos sociais.
É preciso ventilar, contudo, se os direitos sociais prestacionais estão incluídos no rol das normas programáticas e, caso a resposta seja positiva, qual o grau de eficácia que elas possuem no sentido de gerar efeitos concretos (eficácia social); antes, porém, enfrentaremos as seguintes questões precedentes: tais direitos sociais realmente são fundamentais? Seria o país ingovernável por causa dos mesmos? A posteriori tentaremos solucionar se seus preceitos são meramente programáticos ou podem ser auto-executados.
Ventilando sobre as indagações retro imbricadas, constatamos que, paralelo ao surgimento dos direitos sociais, emergiu o conceito de normas programáticas, até então sem precedente histórico, onde foram estabelecidos no texto constitucional os direitos sociais cuja contemplação se apresenta de maneira formal e a efetividade ou eficácia social ficam adstritos à edição de leis infraconstitucionais que determinem como serão concretizados tais direitos.
O caráter programático dos direitos sociais prestacionais é explicado pelo fato de que seus preceitos necessitam de circunstâncias sócio-econômicas, além de concretização legislativa onde há liberdade de conformação pelo legislador . Sustenta-se ainda a falta de legitimidade do Judiciário para definir questões relacionadas com a conveniência e oportunidade da prestação.
Os adversários ao caráter de fundamentalidade dos direitos sociais defendem a não inclusão dos mesmos no texto constitucional, argumentando que sua efetivação ensejaria gastos públicos elevados tornando o país ingovernável; por esse motivo, há autores que consideram fundamentais apenas os direitos de liberdade ou defesa (1ª dimensão) e não admitem no rol dos direitos fundamentais os direitos sociais. Acerca da ingovernabilidade, Bonavides sustenta ser a mesma uma “crise aguda de um só poder – o Executivo, o qual, pelos instrumentos ao seu dispor, se reconhece desfalecido para governar, produzindo, assim, riscos de comoção institucional” .
Dentre os autores que defendem a não-inclusão no texto constitucional dos direitos em debate, encontramos J. J. Calmon de Passos, ao afirmar:

Parece óbvio, portanto, não ser aceitável, num Estado de Direito democrático, constitucionalizarem-se metas substantivas específicas, pois que isso importaria em desvirtuamento, ab origne, do livre debate de opiniões, por todos, e a formalização de decisões, pela maioria, jungida a poder decidir apenas sob a condição de o fazer em consonância com fins já predeterminados e tornados imutáveis. Definições rígidas, de caráter substantivo, só são aceitáveis se também forem constitucionalizadas regras flexibilizadoras das modificações e redefinições reclamadas pelo conjuntural e contingente da vida social ,

E, continuando, dispõe:

Essa crença e essa contingência levaram à formulação prolixa e quase casuística dos direitos sociais merecedores de constitucionalização. A compulsão que todos temos de acreditar que o futuro é previsível e, mais que isso, aprisionável, fez-se aí, paroxismo. O nosso amanhã já estaria definido agora. A história estava sendo feita com antecedência, porque já predeterminados e constitucionalmente institucionalizados os ‘fins’ a serem alcançados .
Divergimos do posicionamento desse jurista, pois entendemos que os direitos fundamentais constantes na Constituição irradiam seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, além de possuírem arrimo nos princípios fundamentais. Desse modo, toda e qualquer norma que não se coadune com os preceitos fundamentais são, desde o momento, inconstitucionais e estranhos ao direito pátrio, além dos referidos direitos serem pauta ininterrupta de reivindicações no sentido de sua implementação, estabelecendo uma espécie de mora administrativa e reclamando efetividade dos demais poderes constituídos, inclusive – e especialmente - o Judiciário que, quando provocado, tem o poder-dever de equacionar o problema no caso concreto a ele apresentado. As criticadas “metas substantivas específicas” e as “definições rígidas” assim se apresentam, pois decorrem do texto fundamental, baseado nas aspirações da sociedade brasileira, posto que pressente a busca da dignidade da pessoa humana. Os fins “engessados” no texto constitucional não correspondem àquilo que almejamos para nossa pátria? A experiência histórica nos mostra que tais contingências não devem ficar ao arbítrio do vencedor nas eleições, ou seja, a ninguém é dado o poder de determinar o que é ou não fundamental, temos uma Carta Política pronta, expressando nossos anseios e exigindo cumprimento, cabendo aos representantes eleitos a mera implementação.
Como bem salientado:

não podemos admitir que os direitos fundamentais tornem-se, pela inércia do legislador, ou pela insuficiência momentânea ou crônica de fundos estatais, substrato de sonho, letra morta, pretensão perenemente irrealizada, ou o que lhe valha .

Lobo Torres critica os que defendem o caráter fundamental dos direitos sociais ao discorrer: “(...) vamos encontrar, principalmente nos regimes e nos juristas de índole autoritária e socializante, a tendência para assimilar os direitos sociais aos fundamentais” .
Como vislumbrar se os direitos sociais são incluídos dentre os direitos fundamentais? Apenas com uma constatação positiva poderemos discorrer acerca da autoridade dos direitos sociais e enfrentarmos a auto-executoriedade ou não de seus preceitos.
Pelo menos em três acepções formais verificamos a fundamentalidade dos direitos sociais, posto que, integrando o corpo textual da Constituição Federal, revestem-se como norma hierarquicamente superior em todo ordenamento jurídico; possuem limites materiais em reforma constitucional, pois são cláusulas pétreas e insuscetíveis de modificação ou supressão; além do mais, o próprio texto constitucional determina no art. 5º, parágrafo 1º, que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis.
Há autores que defendem o argumento no qual as normas programáticas são imediatamente aplicáveis e podem ensejar o gozo de direito subjetivo material, mesmo sem concretização legislativa ; outros autores, mais conservadores, da lavra de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entendem que tal medida serviu para que os direitos fundamentais não “permaneçam letra morta na Constituição”. Há autores que aceitam a existência de direitos subjetivos individuais acerca de direitos fundamentais apenas no sentido negativo, ou seja, quando haja alguma medida contrária aos mesmos, e outros que defendem a tese da criação, pelas normas programáticas, de direito subjetivo negativo e positivo .
O artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88 obriga os poderes públicos a promoverem as condições para tornar reais e efetivos os direitos fundamentais , o poder Judiciário tem o poder-dever de aplicá-los ao caso concreto, imediatamente, assegurando-lhes plena eficácia , logo, esse dispositivo serve para salientar o caráter preceptivo e não programático desses direitos, ventilando e clarificando que eles podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência da lei.
Segundo o artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”; tal disposição gera controvérsias na doutrina, porquanto alguns autores entendem que o referido texto abrange apenas os direitos constantes no artigo comentado, portanto não alcançando os direitos socais, ao passo que boa parte da doutrina defende com veemência a abrangência também para os direitos sociais; a investigação dessa abrangência é de vital importância para as teses aqui defendidas.
Precipuamente, é mister diferenciar alguns termos para evitarmos equívocos na interpretação de nossas palavras; nesse diapasão, eficácia subdivide-se em eficácia jurídica e eficácia social, entendida também como efetividade. A primeira diz respeito à possibilidade da norma jurídica gerar seus efeitos e a segunda está ligada à noção de efetividade ou concretização. José Afonso da Silva assim conceitua eficácia jurídica:

designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica ;
Luís Roberto Barroso conceitua eficácia social concordando com nossa afirmação, ao ventilar que:

a efetividade significa, portanto, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

            A eficácia jurídica está no plano do dever ser e a eficácia social no plano do ser .
Embora a exegese do artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88 não seja pacífica na doutrina, entendemos que a não abstração do conteúdo que ele encerra de forma clarividente seja muito mais uma opção política de não realização imediata dos direitos sociais, e nesse viés busca-se toda e qualquer retórica para negar-lhes plena eficácia (as quais desenvolveremos no capítulo seguinte) seguindo o modelo neoliberal cuja filosofia conflita frontalmente com o Estado providência.
Juridicamente é insustentável uma exegese restrita aos direitos individuais seja teleológica, sistemática ou meramente literal.
Sustentamos que tal preceito constitucional confere eficácia plena a todo o catálogo de direitos e garantias fundamentais, sejam individuais ou sociais, bem como todos aqueles expressos ao longo de toda a Constituição e nos tratados internacionais que o Brasil seja signatário; não é outra a constatação de Ingo Sarlet ao asseverar que:

há como sustentar a aplicabilidade imediata (por força do artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88) de todas as normas de direitos fundamentais constantes do catálogo (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais.

Com tal assertiva, entretanto, não concorda Celso Ribeiro Bastos, para quem não se deve dar aplicação imediata às normas que fazem remissão à legislação integradora, bem como àquelas cujo “vazio semântico” a torne totalmente dependente de integração normativa , Gebran Neto, em obra resultante de dissertação de mestrado, defende que o art. 5º, parágrafo 1º da CF/88 produz efeitos exclusivamente para o caput e seus incisos não se estendendo, portanto, para os demais direitos fundamentais.
É mister ventilar que em nossa visão o artigo comentado pode ser vislumbrado diferentemente para as três esferas do poder; em relação ao Poder Legiferante, tal preceito exige – em detrimento de qualquer outra medida – a edição das normas infraconstitucionais necessárias para a concretização dos direitos fundamentais; o Poder Executivo, na esteira do preceito em exame, deve concretizar os direitos fundamentais mediante políticas públicas eficazes, prevendo dotação orçamentária privilegiada para efetividade de tais direitos ; e, por fim, o Poder Judiciário que, exercendo seu mister constitucional, controlaria a atuação dos demais poderes visando a plena efetividade dos direitos fundamentais (todos eles), seja colmatando as lacunas deixadas pelo legislador, seja determinando ao Executivo que realize as políticas públicas necessárias com determinação de prazo suficiente para execução, inclusive com a oitiva de peritos, técnicos e da própria administração pública; e na falta absoluta de tais ações, ou na precariedade das mesmas em lograr o objetivo, qual seja, a concretização dos direitos fundamentais, o próprio Judiciário, quando provocado, tem o poder-dever de reconhecer e fazer cumprir os direitos fundamentais , haja vista os mesmos serem normas jurídicas de caráter principiológico (diferente do tudo ou nada das normas enquanto regras) o Judiciário, no caso concreto, e realizando exegese calcada nos princípios constitucionais, inclusive razoabilidade e proporcionalidade, deve determinar a concretização dos direitos fundamentais haja vista serem de exigibilidade integral em juízo.
Em suma, tal dispositivo, nas palavras de Flávia Piovesan: “investe os poderes públicos na atribuição constitucional de promover as condições para que os direitos e garantias fundamentais sejam reais e efetivos”.
Cumpre ventilar, não obstante as abismais diferenças entre os direitos de 1ª e 2ª dimensões, que não se pode pretender a eficácia plena dos direitos de defesa sem que haja respeito pelos direitos de 2ª dimensão – como dantes asseverado no item 1.3 – vale o exemplo do direito fundamental por excelência, qual seja, a vida; como pretender sua concretização simplesmente com a omissão do Estado? É preciso uma política pública sanitária para respeitar e preservar a vida, logo, é preciso verificar o pensamento de Vieira de Andrade quando, se referindo aos direitos de defesa, defendeu que:

O princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se sua perfeição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui, incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização de para esse fim os concretizarem por via interpretativa.

Ingo Sarlet, parafraseando o supramencionado autor português, verifica:

ainda que existam, na esfera dos direitos de defesa, normas vagas e abertas, estas podem ter seu conteúdo definido pelo recurso às regras hermenêuticas, não havendo, portanto, necessidade de remeter esta função para o legislador ;

            Ora, havendo “normas vagas e abertas” de Direitos Fundamentais Sociais Prestacionais, não haveria também o mesmo dever dos juízes na exeqüibilidade imediata? Este tema será aprofundado em outro artigo, no qual verificaremos os óbices apontados para o controle judicial visando a efetividade dos direitos sociais prestacionais.
Tais direitos têm aplicabilidade imediata, como já asseverado, e vinculam os três poderes do Estado, haja vista existirem verdadeiros direitos subjetivos a prestações exercidos diretamente do texto constitucional e, mesmo sem qualquer intervenção legislativa, são direitos originários diretamente da Constituição. Ingo Sarlet assevera que:

mesmo estas normas (por mais programáticas que sejam) são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa.

            Robert Alexy defende a tese do reconhecimento do direito subjetivo originário a prestações concernente aos direitos sociais sempre quando se busca as condições mínimas necessárias para a existência do ser humano; tal autor alemão vislumbra tais direitos subjetivos sempre quando se apresentarem indispensáveis ao princípio da liberdade fática e quando atingir o princípio da separação de poderes de forma minimizada.
Cumpre ventilar, na esteira da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais prestacionais – já devidamente fundamentada –, que o reconhecimento da existência de direitos subjetivos a prestações é condição indispensável para uma existência digna de pessoa humana, portanto, plenamente sindicável quando existirem óbices de natureza comissiva ou omissiva pelo poder público à sua concretização.
A situação donde se vislumbra a recorribilidade ao Poder Judiciário para que ele atue de maneira positiva ordenando a concretização do direito social ou determinando de per si tal desiderato encontra consonância com o atingimento do princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, sempre que ao indivíduo for negada uma existência com dignidade, poderá o mesmo ajuizar ação no sentido de ter seus direitos fundamentais plenamente respeitados e efetivados.
Sarlet concorda com nossa assertiva quando assevera:

não há como desconsiderar a natureza excepcional dos direitos fundamentais originários a prestações sob o aspecto de direitos subjetivos definitivos, isto é, dotados de plena vinculatividade e que implicam a possibilidade de impor ao Estado (e ao particular, quando for o destinatário), inclusive mediante recurso à via judicial, a realização de determinada prestação assegurada por norma de direito fundamental, sem que com isto se esteja colocando em cheque a fundamentalidade formal e material dos direitos sociais de cunho prestacional.

            Defendemos que, na decidibilidade acerca dos direitos fundamentais sociais prestacionais e sua conseqüente concretização pelo controle judicial, o órgão judicante deverá utilizar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, realizando a ponderação de bens, haja vista o caráter principiológico de tais direitos, portanto não sujeitos ao tudo ou nada.
A fundamentalidade material se verifica pela relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional , onde facilmente abstraímos o conteúdo relevantíssimo dos direitos sociais; daí concluirmos que se trata de direitos fundamentais e passível de toda proteção jurídica.
O supramencionado artigo seria um mandado de otimização cuja existência exige e impõe aos órgãos estatais que confira aos direitos e garantias fundamentais a maior eficácia e efetividade possível .
Os direitos sociais, econômicos e culturais expressam os valores basilares do Estado social e democrático de direito, logo, não podemos pôr em dúvida sua qualidade de direitos fundamentais; inclusive segundo todas as regras interpretativas, pois não se trata de lógica-jurídica, mas decorrente da consciência social do sistema jurídico tomado em sua totalidade .
Na lição de Fioranelli Júnior, combinando o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais estabelecidos no artigo 5º, parágrafo 1º e o não afastamento da tutela jurisdicional estatuído no mesmo artigo, inciso XXXV, poderíamos defender que a Constituição atual autoriza o Poder Judiciário a criar a norma faltante para efetividade dos direitos fundamentais sociais prestacionais, via a garantia do mandado de injunção que deve ser utilizada sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos constitucionalmente estabelecidos, sobremaneira os direitos sociais. Acerca do tema, Clève discorre que: “o princípio da inafastabilidade da apreciação judicial obteve, com o novo pacto fundamental, uma carga semântica reforçada”.
Comungamos com as afirmações supramencionadas, pois mesmo que os direitos fundamentais sociais se apresentem de modo programático, não podemos negar-lhe eficácia e aplicabilidade, podendo ser efetuada pelos órgãos jurisdicionais, mesmo sem norma infraconstitucional (interpositio legislatoris) em situações emergenciais como doravante aduziremos. As normas programáticas não representam simples recomendações ou meros preceitos morais com eficácia ético-política meramente diretiva, mas são direitos diretamente aplicáveis .
Nesse sentido, não entendemos os direitos sociais como integrantes de promessas inócuas e expressões ilustrativas que adornam a lex mater, nem mesmo como carta de boas intenções ou quimera intangível esposada no conceito aberto de norma programática, mas se constitui de forma real em norma definidora de direito fundamental e que possuem eficácia, pois poderão – e em alguns casos deverão (Quando omissão executiva ou legislativa atingir o mínimo necessário à dignidade da pessoa humana) serem concretizados pelo Poder Judiciário.
Não admitir os direitos sociais como direitos fundamentais, bem como negar-lhes auto-executoriedade, seria suprimir do texto constitucional o que lhe é mais caro, haja vista o Estado Social instituído, qual seja, o ideal de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Não se pode esvaziar o conteúdo dos direitos fundamentais sob nenhum pretexto nem devem ser jogados ao sabor de decisões políticas sem arrimo nos princípios constitucionais.
Defender a fundamentalidade dos direitos sociais prestacionais é esposar a causa da transformação e justiça sociais, é empunhar a bandeira da igualdade material e liberdade real, é buscar a plena satisfatividade dos anseios sociais e formalmente insculpidos constitucionalmente para que possamos construir uma democracia real e não meramente formal, esta atrelada aos tolhimentos perpetrados pelo Estado Liberal. Paulo Lopo Saraiva entende que: “o direito social constitucional é um direito fundamental, ínsito à pessoa humana, que, sem o exercício deste, jamais poderá realizar seus mínimos objetivos” .
Discutir direitos sociais prestacionais é verificar que o próprio Estado exige – em seus concursos públicos – mesmo para as ocupações braçais, qualificação profissional, certo grau de instrução escolar e conhecimentos de informática, embora não crie as condições fáticas para o indivíduo lograr tais qualificações; diante de tal desiderato é legítimo o povo exigir, via judiciário, o deferimento judicial que efetive direito estabelecido na lex mater sem receber como resposta o chavão já superado da impossibilidade de concretização pois tais direitos são contemplados em sede de “normas programáticas” que serão paulatinamente concretizadas pelo legislador e pelo executivo.
Ademais, vale lembrar que os direitos sociais foram estabelecidos no título II da Carta Magna: dos direitos e garantias fundamentais e são compreendidos como direito prestacional face ao Estado, podendo inclusive ser reclamadas tais prestações, por possuírem auto-aplicabilidade; concordamos com J. J. Calmon de Passos ao afirmar: “somente o direito aplicado é efetivamente direito” .

 

Referências

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     MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Vol IV, Coimbra: Coimbra, 1993, p. 105.

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     Ibidem.

     PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, nº 3, abr/ jun. de 1993, p. 242.

     TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul./set. de 1989, p. 34.

   GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988.São Paulo: Malheiros, 1997, p. 322.

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    Ibidem, p. 27.

    BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 393.

    GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais: a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: RT, 2002, p. 197.

    Os Direitos Fundamentais Sociais Prestacionais apenas se concretizam quando o Estado despende recursos financeiros, fato que remete invariavelmente à existência de numerário nos cofres públicos com sacrifícios impostos à sociedade como a elevação da carga tributária para a consecução desse fim, logo, a relação entre esses direitos e a economia é estreita e perigosa, pois como veremos no capítulo 3, uma das inúmeras teses defendidas contra a plena eficácia dos referidos direitos encontra arrimo justamente na escassez de recursos do Estado, fato impeditivo de sua plena efetivação.

    Não é outra a posição defendida em GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 312.

    PIOVESAN, Flávia. Constituição e transformação social: a eficácia das normas constitucionais programáticas e a concretização dos direitos e garantias fundamentais. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo nº 37, jun. 1992, p. 73.

   VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. p. 256-7. Apud  SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In:Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 31. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

    Ibidem.

   SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In:Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 33. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

    Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In:Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 36. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

    SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. InRevista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 37-38. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

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