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NOS LIMITES DO AMOR
Renato Queiroz
Poderão perguntar: qual é a utilidade de pôr em palavras o que é incômodo em ser mãe? Eu penso que as mães são ajudadas se forem capazes de expressar suas angústias no momento que as sentem. O ressentimento reprimido deteriora o amor que está subjacente em tudo. (WINNICOTT, 1999, p. 88) Os pais estão envolvidos permanentemente com vários objetivos distintos na prática de suas vidas, objetivos esses por vezes difíceis de serem combinados. Amar e ser amados por seus filhos e conjugue, ser bons profissionais sem atropelos, estudar e participar da vida social. Mas como conciliar o zelo extremado de pais com o rigor dos horários no seu ambiente de trabalho, por exemplo? As situações são postas na vida dos pais o tempo todo. As escolhas são exigidas a todo o momento, e os pais devem estar atentos para a tentação dos extremos. "Assim suponho que as crianças continuarão sendo pestes e as mães continuarão contentes por terem tido a oportunidade de serem vítimas" (WINNICOTT, 1999, p. 100). Pode ser que ela conclua amar seu bebê de um modo perfeitamente natural e isso faze-la sentir-se acabrunhada por achar que sua mãe não a amou do mesmo jeito, e por achar que estava apresentando à sua mãe um exemplo (1999, p. 114). Devido à complexidade e variedade de sentimentos envolvidos, resta aos pais buscar constantemente a avaliação dos caminhos que seguem, atenuando a angústia e as culpas, que podem servir para tencionar o relacionamento. Quanto mais severa for a tentativa de buscar a perfeição, maior será a frustração, e isso servirá para obstruir os canais do afeto. Na criação dos filhos não se ganha muito em querer visar à perfeição. Muito do que está errado corrige-se com o tempo; ou corrige-se o suficiente para não se mostrar. Mas algumas coisas não se consertam. (WINNICOTT, 1999, p. 73) O manto da santidade que envolve os pais e, em especial, a mãe, produz uma exigência de ser coerente com esse modelo fantástico de tal forma que as sensações mais simples inerentes ao ser humano como sono, fadiga, dor, medo e preguiça podem ser sentidos como incapacidade ou inadequação, e até falta de qualificação para o amor. As crianças saudáveis necessitam de pessoas que continuem exercendo o controle, mas as disciplinas devem ser proporcionadas por pessoas que possam ser amadas e odiadas, desafiadas ou de que se dependa; os controles mecânicos são inúteis e tampouco o medo pode ser um bom motivo para a obediência. É sempre uma relação viva e estimulante que fornece a necessária liberdade de que o verdadeiro crescimento precisa. (SCHETTINI, 1998, p. 51) Na sociedade contemporânea, os pais têm ainda que estar atentos à globalização da economia, que exige capacidade de competitividade como profissionais e como provedores. Precisam dar atenção aos filhos, dedicar-lhes cuidados. Precisam estudar, trabalhar e competir para conseguir gerar recursos suficientes para que os filhos possam estudar nos melhores colégios, freqüentar cursos de idiomas, ter acesso aos mais avançados artifícios tecnológicos para também participarem da sociedade cibernética. E ainda precisam estar supridos de ética. Esse é uma das razões pelas quais um pai bom o bastante é aquele cujas ações e reações, cujas aprovações bem como críticas são temperadas por uma ponderação criteriosa das percepções da criança. Pais bons o bastante se esforçam para avaliar quaisquer assuntos e reagir tanto de sua perspectiva adulta quanto da perspectiva totalmente diferente do filho, baseando suas atitudes em uma conciliação razoável das duas, ao mesmo tempo em que aceitam que as crianças em virtude de sua imaturidade possam entender as questões apenas de seu próprio ponto de vista. (BETTLEHEIN, 1997, p. 57) A expectativa de desenvolver bem todas essas circunstâncias não deve comprometer a naturalidade da relação. A maneira através da qual lidamos com a culpa vai influir diretamente na espontaneidade das nossas ações, pois somos seres limitados. Assim é que a maioria das pessoas da moderna classe média não aprendem muito em sua própria infância, como cuidar de crianças. As coisas eram diferentes quando as famílias eram mais numerosas e nossos parentes viviam perto de nós... Hoje, contudo, os pais se sentem que muito mais é exigido deles. (BETTLEHEIN, 1997, p. 19) Desde o nascer do filho são postas diante dos pais, situações que exigem muito equilíbrio, responsabilidade e compromisso. Estes são por vezes levados a camuflar os seus desejos. Ocultando-os e não se permitindo viver as suas individualidades aos poucos se sentirão desconfortáveis. Isso ocorre em virtude da dificuldade de identificar e limitar os espaços entre o eu e o outro, mesmo sendo este último um filho, ser tão amado, produzindo à sua imagem e semelhança. Pai e mãe têm um imenso cuidado com seus filhotes (alevinos). Fazem o ninho escavando um buraco no fundo do rio e circulam sempre ao redor para protegê-los. Quando ensaiam sair do ninho, os acompanham com cuidado e os alertam contra a dispersão. Ao mínimo risco os filhotes voltam todos juntos ao ninho guiados pelos pais. Os retardatários são recolhidos cuidadosamente dentro da boca dos pais e devolvidos ao grupo. Nesse ponto reside a difícil arte em ser pai e mãe. Trazes filhos à boca para protegê-los, quando necessário, sem trincar os dentes, no sentido de que eles possam ter a liberdade suficiente para crescer e se constituir enquanto pessoa, e isso é cobrado dos pais pelos filhos, especialmente na adolescência. Mas o amor não é tudo e nem tudo pode. Há nele muita fantasia e ilusão. A ilusão amorosa é gerada pelo poder que tem o amor de esconder os limites, de derrubar as barreiras, força de derrubar e também construir outras barreiras. (GADOTTI, 1987, p. 32) Nesse livro que escreveu, Gadotti (1987) nos lembra a alegria revelada por Jean Paul Sartre com a morte do pai, evidenciando que os conflitos partem de ambos os lados e de como pode ser sufocante uma relação sem limites ou sem amor: Ele me deu a liberdade, afirma ele. Não há bons pais, é essa regra... Se tivesse vivido, o meu pai, ter-se-ia deitado sobre mim com todo o seu comprimento e ter-me-ia esmagado. Felizmente ele morreu jovem... Gerar filhos nada há de melhor; tê-los que iniqüidade. (GADOTTI, 1987, p. 34) Como exemplo de abandono e desamor recorre a Kafka na sua carta a meu pai: “Não posso me lembrar de você ter abusado de mim diretamente e em termos abusivos baixos. Nem era isso necessário; você tinha tantos outros métodos... Você me espancava com suas palavras sem qualquer dificuldade”. (GADOTTI, 1987, p. 34) Melanie Klein considerava que a ambivalência tem um papel positivo a desempenhar na vida mental, como uma defesa contra o ódio. Postulo que é justamente na própria angústia da ambivalência materna que reside uma relação frutífera para mães e filhos. (PARKER, 1997, p. 24) Essa tão delicada vivência de amor que envolve criador e criatura é tão dolorosa quanto prazerosa. Temos encontrado diversas opiniões sobre como é comum o sentimento, digamos menos nobres, contidos nos relacionamentos pais e filhos. Entretanto não podemos esquecer de enfocar o lado gratificante e alegre que perpassa toda essa dinâmica. Acompanhar a gestação e o nascimento de um filho constitui, segundo muitos, as suas melhores alegrias. Quantas vezes ao perguntarmos aos nossos amigos sobre qual a melhor coisa da vida, ouvimos uma resposta que são os filhos? Penso que, de um modo geral, se cada um pudesse escolher seus próprios pais, coisa que, obviamente não pode fazer, preferiria ter uma mãe que alimentasse um sentimento de culpa – de qualquer modo, que se sentisse responsável, e que sentisse, se as coisas correram mal, que isso era provavelmente culpa dela – em vez de uma mãe que imediatamente se voltasse para algo exterior a fim de explicar tudo, que o problema tinha sido culpa dela - em vez de uma mãe que imediatamente se voltasse para algo exterior a fim de explicar tudo, que o problema tinha sido culpa da trovoada da noite anterior à responsabilidade por coisa nenhuma. Penso que das duas, por certo os casos extremos, eu preferiria a mãe que se sente muito responsável. (WINNICOTT, 1999, p. 119). Referências BETTLEHEIM, B. Pais bons o bastante. Rio de Janeiro: Campus, 1997. BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética para o meu filho. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. GADOTTI, M. Dialética do amor paterno. São Paulo: Cortes, 1987. HOLLANDA, A.B. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. PARKER, R. A mãe dividida. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1997. SALMALIN, N. ; JABLW, M. Amar seus filhos não basta. São Paulo: Saraiva, 2000. SCHETTINI, Luís. Carão com Carinho. Recife: Bagaço, 1998. WINNICOTT, Donald. Conversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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