ENTREVISTA |
ANTONIO CARLOS SECCHIN
Membro da Academia Brasileira de Letras desde junho de 2004, Doutor em Letras e professor titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Antonio Carlos Secchin é, hoje, um dos críticos literários mais respeitados do país. Admirador confesso da literatura pernambucana, escreveu dissertação de mestrado e tese de doutorado sobre a poesia de João Cabral de Melo Neto, com as quais ganhou prêmios importantes. Como poeta, publicou mais de cinco livros, dentre os quais Elementos, pela Civilização Brasileira, em 1983, e Todos os ventos, pela Nova Fronteira, em 2002. Diego – O Sr. foi professor de Literatura Brasileira nas Universidades de Bordeaux (1975/1979), Roma (1985), Rennes (1991) e Mérida (1999). Como a nossa literatura é vista nesses países? Secchin – Diria que ela é entrevista... Percebida em lampejos, atomizada, infelizmente pouco presente em catálogos de maior prestígio, com exceção de uns poucos autores que conseguiram superar a contingência da modesta inserção do português na dimensão planetária. Na maioria das vezes, conhece- se um ou outro "autor brasileiro", mas se desconhece a literatura brasileira. Na década de 1970, quando trabalhei na França, até um nome como Fernando Pessoa era de escassa circulação nos meios universitários, que dirá fora dele. A situação é melhor na Venezuela, onde um operoso Centro de Estudos, em Mérida, divulga e incentiva sistematicamente pesquisas sobre nossas letras, sem esquecer a presença do Brasil na mais importante coleção do país, a da Biblioteca Ayacucho, pela qual já foram publicados, em belas edições e com ótimo aparato crítico, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Mário de Andrade e João Cabral de Melo Neto, entre outros. D. – Além de um dos mais importantes e renomados críticos literários brasileiros dos dias atuais, o Sr. é poeta, tendo ganho, inclusive, prêmios importantes na área, como o prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional, em 2002, o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, em 2003, e o prêmio nacional do PEN Clube do Brasil, também em 2003. Acredita que o crítico Secchin auxilia o poeta Secchin? S. – Auxilia e atrapalha... Auxilia no sentido de exercer vigilância e atrapalha quando a vigilância, de tão excessiva, tolhe o poeta. Nunca fui bajefado pela espontaneidade ou pela facilidade de expressão lírica - daí publicar poucos poemas, a ponto de minha "obra reunida", se assim ouso chamá-la, não chegar a cem poemas. Mas espero ultrapassar esse número, afinal para isso a "imortalidade" pode servir (rs)! D. – Como o Sr. vê a a literatura brasileira hoje? Quais os autores que o Sr. destacaria? S. – No campo específico da poesia, em que mais atuo, e sem citar nomes para evitar injustas omissões, percebo a retomada de uma vertente, digamos, mais culta na prática do verso, em oposição ao descompromisso formal e a uma certa estigmatização do "literário", que foram a tônica de vários companheiros da geração na qual apenas cronologicamente me situo: a "geração marginal", dos poetas de mimeógrafo. Como os mimeógrafos eram abastecidos por álcool, diria que a maior parte dessa poesia se volatizou - embora seja esse o destino da maior parte da poesia de qualquer período. Mas, no caso, o prazo de validade poética me pareceu particularmente curto, porque dezenas de não-poetas embarcaram na onda do vale-tudo, onde o primeiro e acatado mandamento da poesia era a desvalorização do poético, numa exacerbação autofágica... D. – Poetas expressivos da literatura brasileira nasceram em Pernambuco, como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Pernambuco continua sendo um celeiro de grandes autores? S. – Certamente. Poesia refinada, apta a satisfazer exigentes paladares. Para nos restringirmos aos mortos, só no século XX, impossível não evocar Carlos Pena Filho e Mauro Mota. O "problema" é que a gigantesca figura de Cabral acabou tolhendo um pouco a ressonância que outros escritores mereceriam. Como consagrar-se poeta em Pernambuco tendo ao lado a pétrea, quase intransponível, montanha cabralina? D. – O que o Sr. poderia falar sobre o escritor Osman Lins? S. – Depois de um período de penumbra, Osman Lins volta a ser reconsiderado como o criativo e transgressor ficcionista que efetivamente foi, além do saboroso dramaturgo que atinge todas as faixas de público em Lisbela e o prisioneiro. Recordo-me do impacto que me causou a leitura de A rainha dos cárceres da Grécia, ainda nos meus tempos de graduação. Também merece destaque a incisiva particiapação de Osman na discussão das questões relativas ao papel do intelectual, do professor e do artista diante dos desafios da sociedade fragmentada de seu país, como se lêem nos candentes Problemas inculturais brasileiros. D. – Como o Sr. avalia a formação intelectual do estudante nas Universidades e Faculdades brasileiras hoje? D. – Para finalizar: quais dicas o Sr. daria para quem pretende chegar a um mestrado, a um doutorado, em qualquer área? S. – Primeiro, ter firmeza quanto à opção, considerando que, naquilo que se escolhe, a paixão pelo objeto de estudo deve ter peso preponderante. Segundo, desconfiar dessa conversa de que tudo já está enunciado - o "por dizer" supera o "dito", por mais "bem dito" que este haja sido. Finalmente, desenvolver uma espécie de desconfiança metodológica frente às verdades cristalizadas naquilo que se estuda. Relembrando Pena Filho: "Mas ao chegar ao ponto em que se tece/ dentro da escuridão a vão certeza, / ponha tudo de lado e então comece".
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